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Entrevista com Pedro Babo e Raphael Canadas da Landratech

"A bolota tem potencial, faz bem à saúde e é amiga do ambiente"

in Público, 11 de novembro de 2017

Já provou biscoitos ou pão de bolota? Sabia que a bolota é isenta de glúten e altamente nutritiva, pois é rica em fibras e proteína? Os povos pré-romanos da Península Ibérica, utilizavam a esta matéria-prima no seu quotidiano, para confecionarem pão e outros alimentos. Esta semana, conversámos com Pedro Babo e Raphael Canadas, fundadores da Landratech, empresa também responsável pelo projeto Armazém da Bolota.

A Landratech é proveniente da região do Minho e está sediada em Azambuja. Com menos de um ano de existência, é uma das startups mais dinâmicas a nível nacional, tendo conseguido investimento e vencido vários projetos nacionais. Foi também finalista dos conceituados programas de aceleração de Start-ups EIT-Food e Masschallenge. A sua missão é ligar toda a cadeia de valor e oferecer qualidade e sustentabilidade, criando a ponte entre produtores e consumidores, mudando o paradigma da gestão sustentável das florestas endémicas, em todo o mundo. - Como é que nasceu o vosso projeto e a ideia do nome Landratech? Somos dois amigos que já se conhecem há bastante tempo. Ambos temos formação de base muito semelhante nas áreas da Biologia Molecular e Biotecnologia e, ao longo da vida, fomo-nos encontrando e acabámos por fazer o doutoramento juntos. Nasceu então uma ideia quase utópica de protegermos a nossa floresta endémica. Todos nós estamos a par do valor paisagístico e ecológico da nossa floresta. Esta floresta tem sido ameaçada pela pressão das monoculturas, por exemplo. O nosso esforço foi tentar criar uma estratégia comercial que permita tornar a floresta competitiva em termos económicos. Deparámo-nos com algumas fontes que relatam o consumo histórico da bolota para a alimentação humana. Surgiu então a ideia de tentar valorizar o fruto maior da nossa floresta que é precisamente a bolota, produzida praticamente por todas as espécies dominantes das nossas florestas; nomeadamente, o carvalho, o sobreiro e a azinheira. A azinheira é a única espécie que, na atualidade, providencia uma bolota de sabor agradável e que, mesmo crua, tem sido mantida no consumo humano, principalmente no Alentejo. A azinheira é também a única árvore certificada para consumo humano em toda a Europa. Ao valorizarmos o fruto desta floresta, damos-lhe um valor anual, enquanto árvore viva, porque tem de produzir o fruto. Por exemplo, um dos problemas a Norte do País tem sido a deflorestação da floresta de carvalhos, na medida em que as pessoas só recuperam o valor económico destas arvores se forem cortadas. Ao atribuirmos o valor ao fruto, estamos a preservar a floresta viva. Quanto ao nome Landratech, vem do latim, lande / landra, que significa bolota. - Expliquem-nos sucintamente qual o processo de transformação que a Landratech faz. Os registos históricos que temos sobre o consumo da bolota dirige-se a todo o território. Uma vez que a azinheira não cresce em todo o território nacional, não deveria ser tudo azinheira. Na nossa pesquisa, descobrimos também a bolota que não é da azinheira se consome em Portugal. Tal como noutros países, embora de forma muito vestigial.

Aquilo que impossibilita a bolota das outras espécies de ser consumida é o alto teor em taninos, que lhe dá um sabor amargo. Então, nós removemos esses compostos, tornando a bolota comestível e agradável ao palato. Isto é, nós tornamos a bolota de qualquer espécie de carvalho comestível para humanos. Portanto, o nosso método permite que os outros tipos de bolotas sejam também consumidos. Consequentemente, terminam as oscilações anuais na produção da bolota de azinheira, pois essa produção não é sempre igual.

Com a transformação da bolota produzimos dois tipos principais de produtos: a farinha (utilizada na padaria, pastelaria, restauração, etc.) mas também uma infusão a partir dessa farinha. Podemos ter uma infusão em alternativa à cevada, para uma bebida que se bebe como a cevada, mas de bolota, portanto sem glúten - ao contrário da cevada. Mas também podemos obter todos os produtos que podem surgir a partir de uma farinha básica. É muito versátil.

O nosso primeiro protótipo foi a produção de cerveja. Malteámos a bolota e trabalhámos em parceria com uma cervejeira artesanal em Guimarães. Produzimos uma cerveja 100% de bolota que esteve em testes de mercado e disponível ao público nessa cervejeira artesanal. Para nós, foi apenas uma prova de conceito. Não queremos produzir cerveja, queremos produzir a matéria-prima. Se houver cervejeiras interessadas em explorar este conceito de matéria-prima com base autóctone e sem glúten, nós conseguimos trabalhar esse malte. Somos essencialmente a ponte entre os produtores, a indústria e o consumidor. Queremos identificar as tecnologias que conseguem valorizar a bolota, fazendo o desenvolvimento tecnológico e criar uma plataforma física e digital que nos permita ligar toda a cadeia de valor. - De que forma é feita essa cadeia em termos da economia circular? Trabalhamos uma matéria-prima rica, que gera resíduos orgânicos. Estamos a desenvolver, juntamente com um consorcio europeu, um projeto de produção de energia a partir desses resíduos (biomassa), para alimentar a própria linha, e se for energia suficiente, até alimentar as logísticas de transporte da bolota. Além de que esses taninos que removemos serão de interesse para outras indústrias. Nós lideramos um projeto e somos parceiros noutro projeto, ambos financiados. Um deles para gerar resíduos orgânicos que possa ser fonte de energia para a própria linha e um outro projeto para valorizar e aplicar os nossos subprodutos, nomeadamente os óleos e os taninos, na indústria cosmética e farmacêutica. Portanto, tudo o que nós geramos como resíduo tem uma aplicação paralela, é 100% circular.



Surgiu recentemente a notícia do vosso contributo para o prato vencedor da Categoria Vegana das 7 Maravilhas da Nova Gastronomia. Como é que aconteceu?

Durante a pandemia continuámos a trabalhar com restaurantes que mostraram interesse em desenvolver receitas com farinha de bolota. Um desses restaurantes, o Cor de Tangerina de Guimarães, dos chefes Liliana Duarte e Dinis Mendes, venceu no passado dia 4 de Setembro a Categoria Vegana das 7 Maravilhas da Nova Gastronomia com o prato “mil-folhas de batata, cantarelos e bolota”, que usa a nossa farinha. Para nós, este feito é uma honra e satisfação.

Sabemos que também durante a pandemia a Landratech se evidenciou no Estrangeiro através de algumas candidaturas internacionais. Querem falar-nos sobre isso?

Fomos selecionados e finalistas do EIT Food e incubados virtualmente em Lausanne na Suíça. Daí fomos selecionados entre os dez melhores projetos a nível europeu na área alimentar. Termos sido finalistas do EIT Food Accelerator Network permitiu-nos participar no programa de aceleração Masschallenge, um dos maiores e mais competitivos a nível mundial, em que fomos às finais e acabámos por ficar entre as 40% melhores startups a nível mundial, entre todas as áreas. Aí nasceu um contacto direto com a Buhler, que é uma das maiores empresas do mundo de desenvolvimento de equipamentos para transformação alimentar, a quem apresentámos o nosso projeto. Também surge daí a apresentação dos nossos protótipos à Nestlé, com quem estamos ainda em conversações.

Quais as razões que vos levaram a sediar a empresa em Azambuja?

Azambuja é, sem dúvida, o Centro de Logística mais importante para nós, em termos estratégicos. Está próximo de outras empresas e de todas as árvores do nosso interesse, principalmente dos sobreiros. Entrámos em contacto com o Gabinete de Empreendedorismo e recebemos resposta do HubsLisbon Azambuja no próprio dia, passado uma hora. Enquanto startup, precisamos de ter resultados rápidos. Qualquer Hub que não responda de imediato, pomos de parte, pois significa que não é dinâmico o suficiente para aquilo que queremos desenvolver. Queremos mencionar também a interessante e importante dinâmica que conseguimos estabelecer com algumas startups do Hubs, principalmente com a Cook2Wine e a Franja, que nos apoiaram logo numa fase inicial. A Cook2Wine mostrou-se aberta a mostrar caminhos novos para o uso da nossa farinha. Achamos que é importante este ecossistema que Azambuja está a disponibilizar.

Que recursos humanos são necessários para o desenvolvimento do processo?

Pretendemos recrutar dois recursos humanos; um recurso humano licenciado e outro altamente qualificado. O primeiro irá trabalhar junto da linha de processamento e estabelecer contactos com fornecedores de bolota.

O recurso humano altamente qualificado dedicar-se-á ao desenvolvimento tecnológico. Numa startup temos de ser polivalentes, portanto ambos terão de ser versáteis.

Quais os objetivos da empresa nos próximos 2 anos?

Temos como objetivos estabelecer um piloto industrial e uma rede estável de fornecedores e clientes. Queremos também certificar para alimentação humana as bolotas de espécies que ainda não estão certificadas – o sobreiro e o carvalho alvarinho.

Como é que o concelho de Azambuja poderá contribuir para promover o crescimento da Landratech?

À partida, acreditamos que a centralidade de Azambuja se pode tornar num dos principais pontos de recolha de bolota dos três que estamos a planear a nível nacional.

Outro aspeto importante é estarmos próximos de outras grandes empresas. Acreditamos que o grau de diferenciação do nosso produto não será indiferente a algumas indústrias em Azambuja, principalmente no setor agroalimentar. Existem a nível nacional três empresas, todas no Alentejo, dependentes da azinheira. É essa a nossa diferença, não estamos dependentes da azinheira. Essas empresas não são nossas concorrentes, são nossas colaboradoras: Herdade do Freixo do Meio, o Moinho de Pisões e a Bolota Viva. Algumas delas são, inclusivamente, nossas parceiras em candidaturas a projetos europeus. Somos também cofundadores da Confraria Ibérica da Bolota, uma rede ibérica que trabalha na promoção da bolota. Há espaço para crescermos todos. Para além disso, os empresários do sector florestal - não nos podemos esquecer que estamos numa região rica em montado - e as empresas de logística da região poderão beneficiar do nosso projeto e facilitar o sucesso do mesmo.

Em que é que o vosso projeto poderá contribuir para o desenvolvimento do Concelho de Azambuja, preferencialmente com foco na saúde, valorização de recursos e sustentabilidade?

Relativamente à saúde, estamos a fornecer uma farinha sem glúten, bastante interessante para uma franja particular da população, os celíacos. Nesse aspeto, também contribuímos para uma alimentação saudável. Já identificámos proprietários florestais em Azambuja que estão interessados em explorar a bolota. Pretendem apoiar-nos a alavancar o nosso projeto para que obviamente a curto e médio prazo possam ter uma valorização económica da sua propriedade. Quanto à questão da sustentabilidade e valorização de recursos, acreditamos que teremos um impacto em duas áreas distintas, mas complementares. Por um lado, no caso do sobreiro, é uma espécie protegida por lei e produz cortiça, por isso tem valor económico mantido “de pé”. Contudo, no caso dos carvalhos e azinheiras, atualmente valem basicamente pelo seu peso em madeira. Estamos a falar da bolota que é, atualmente, um resíduo florestal. Ao fazermos com que deixe de ser um resíduo, vamos melhorar a manutenção da floresta. Tendo um fruto que dá valor, ela vai ser mantida.

Por outro lado, a bolota é um fruto produzido sem necessidade de cuidados especiais ou rega. Assim, contribuímos para uma gestão mais sustentável dos recursos da região.



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